Às vezes o que eu vejo quase ninguém vê

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E às vezes eu não vejo o que todo mundo vê.

Esse documentário “O Começo da Vida”, por exemplo. Não foi uma, não foram duas pessoas. Foram todas as pessoas que eu conheço que assistiram que falaram: TODO MUNDO TEM QUE ASSISTIR. Ótimo, incrível, maravilhoso, necessário. Não ouvi nem li nada menos que isso. Minha amigas estão realmente empolgadas. Daí o que posso concluir? Que perdi alguma coisa. Que não alcancei alguma coisa. Que não entendi alguma coisa.

É um filme sobre a importância do cuidado e das relações nos primeiros anos da infância. E como isso é a base de tudo que vem da frente. Mudando a forma como encaramos e cuidamos da primeira infância, ou seja, mudando o começo da vida, estaremos investindo no recomeço da humanidade. Tá lá no cartaz de divulgação isso. Recomeço da humanidade.

Bonito, né?

Mas o que eu vi foi: mãe, mãe, mãe, presença da mãe, importância da mãe, tempo com a mãe, amor de mãe. Ah, tem uns pais também, pra não ficar chato.

Lá no final aparece a sociedade e quase que eu não vejo porque já tinha desistido do filme muito antes. Mas resolvi retomar e assistir tudo porque não era possível que eu não estivesse enxergando a beleza e a maravilha do filme. Aí vi a adolescente grávida, a preocupação da mãe, o apoio da família e a emoção da menina. Muito lindo. Lágrimas e tudo. Educação sexual? Aborto livre e seguro? Estrutura de apoio social? Se falaram, não vi. Parece que a sociedade tem que apoiar as mães e todos são importantes, mas não é o Estado que cuida, são os indivíduos. Teve também um lance de investimento e economia e retorno do investimento. Parece que vamos refundar a sociedade assim. Não entendi bem, mas admito que eu já tava de implicância.

Sabe o que eu não vi? Profundidade. Problematização. Idéias.  Propostas.

Mas pra que, né? Tinha tanta criança linda e mães emocionadas.

 

15 comentários sobre “Às vezes o que eu vejo quase ninguém vê

  1. Baby, eu sou ranzinza demais com esse tema, modus que quando vi os (tipos de) elogios já economizei meu tempo.

    mas não se sinta só, vi mais de uma conversa boa com reservas parecidas com as que você apresentou aqui e que, sem nem ver, já estou concordando 😉

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    • Ah, que ótimo. Porque eu não vi. Nada mesmo. 😦
      (O título do post era pra ser uma gracinha, como não sei dar título apela pra músicas, mas lendo depois ficou prepotente e não era pra ser)

      Mas voltando. 100% das amigas que assistiram (só mulheres e mães, diga-se) me recomendaram enfaticamente. Eu realmente fiquei muito incomodada. Demais. Nem só por esse peso na mãe, que eu até poderia entender num certo contexto (“pq só as mães cuidam? Como vamos mudar isso?”, por exemplo). Acho que no final das contas eu não concordo mesmo é com a premissa do filme. E não era uma opinião a priori, o filme que me fez pensar assim. Ele tangencia questões importantes, sim. Mas é isso, só tangencia. Tudo que eu acho mais importante fica escondido ou ausente. Quanto mais eu penso, mais eu acho ruim.

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      • E tem outra coisa. Todas as cenas de pais brincando com os filhos são tão encenadas e artificiais que fiquei constrangida. AHAHHAHA mas aí tô implicando, ok.

        Me indica essas conversas que você comentou? Muito me interessa.

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  2. Ai, esse tema me interessa e me intriga tanto. E esse papo de recomeço da humanidade a partir de cuidados com a primeira infância me enche um bocado. Porque parece uma sentença, né? Se a primeira infância não acontecer do jeito “certo” (que é esse que você descreveu: mãe, mãe e mais mãe) a pessoa e a humanidade estão condenadas a sofrer pelo resto da vida. Soube que em SP há até cursos de renascimento, pra supostamente “consertar” os problemas causados por um parto equivocado (cesariana, claro) e uma primeira infância traumática. E eu, que gosto tanto de pensar na vida como uma obra em constante construção e no indivíduo como ser autônomo e capaz de se reinventar e de escrever sua história, acho que esse papo só cria gente pronta pra apontar o dedo pras mães e justificar sua vida inerte nos traumas causados nesse período (que soam tão deterministas que o que se pode fazer depois que estrago foi feito?). Affe, me cansa muito. E ainda tem o que você comentou mesmo, o descarte absoluto do social, como se mãe e filho fossem entes descolados do mundo e a mãe, sempre ela, fosse a fonte de tudo o que a criança precisa. Não curto não. E estou na psicologia vendo que esse discurso está aparecendo muito por lá, nas teorias atuais de desenvolvimento humano. Fico reticente demais.

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      • Sim. E não é preocupante acreditar nesse determinismo? Pela crença de que se não aconteceu do jeito certo não há mais como resolver a vida e também pela obsessão que se cria por seguir essa cartilha estabelecida exteriormente à pessoa. Fico imaginando uma mãe que obedece todos esses passos de cuidado com a primeira infância e depois tem que lidar com a realidade, que nunca se mostra tão bonitinha quanto na teoria. Faz-se o que depois?

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        • concordo sem mudar uma sentença. extremamente preocupante. e tem sido crescido muito essa compreensão da vida, como linear, causal, como se houvesse um jeito “certo” de viver. talvez pela razão não ter (aparentemente) oferecido as respostas e caminhos, a gente (sociedade) tem se voltado pra quem oferece soluções absolutas e crenças que, ao mesmo tempo super individualizantes, desresponsabilizam o sujeito de seu desejo, né.

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          • O ponto é sempre o mesmo, né? Busca-se no outro (ciência, gurus, igrejas, etc) as respostas que na verdade estão na gente. Acho que é receio de se responsabilizar, medo, vontade de ter uma confirmação externa, tudo isso e mais um pouco. É tudo contra o que luto bravamente na minha vida pessoal (fui educada pra acreditar que existe o certo e que ele é determinado pelo outro: Deus e oh, a sociedade), por isso esse discurso me dá tantos arrepios. Fico ainda mais triste quando vejo isso sendo aplicado à educação de crianças. Que modelos estamos mostrando a elas?

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